Translate

domingo, 5 de janeiro de 2025

Capítulo: Em Busca do Sítio Perdido



Essa semana fui tomada por um desejo nostálgico de reencontrar um pedaço da minha história: o Sítio São João, construído pelo meu avô, seus irmãos e meu bisavô, em uma região próxima ao Porto do Pecém. Saí em busca desse lugar carregado de memórias, mas não o encontrei. Ainda assim, algo em mim insiste em continuar essa busca. Sinto que não é por acaso.

Penso que passar em um concurso público justamente nessa cidade, onde vivi grande parte da minha infância e onde meu avô paterno nasceu, carrega um significado maior. É como se a vida me trouxesse de volta para fechar ciclos e me reconectar com minhas raízes.

Enquanto dirigia pelas estradas que me levavam àquele sítio, percebi algo curioso: esse era o mesmo percurso que eu fazia quando criança, um caminho que me trazia medo e dor. Era a estrada que levava até o local onde eu fui abusada, um trauma que carreguei por muitos anos em silêncio.

Agora, 30 anos depois, percorro o mesmo caminho com um olhar diferente. O que antes me aterrorizava, hoje me faz admirar o verde das paisagens, sentir a brisa e reconhecer a força que construí ao longo dessa jornada. Percebo que não sou mais a mesma menina amedrontada.

E há uma ironia – ou talvez um destino – nesse percurso. Hoje, meu trabalho é justamente proteger e acolher crianças que passaram pelo mesmo que eu passei. Não fui eu que escolhi esse caminho, ele me escolheu. E essa missão, de ser uma voz para quem ainda não pode falar, de cuidar dos que foram feridos, me faz entender que, de alguma forma, a dor que carreguei se transformou em propósito.

Talvez encontrar o Sítio São João seja mais simbólico do que real. Talvez essa busca seja sobre me encontrar. Sobre reconhecer a menina que eu fui, a mulher que me tornei, e tudo que ainda posso ser.


---



3 de janeiro de 2025 - Silêncio e Ritalina

Capítulo: Os Dias de Silêncio e Ritalina

O terceiro dia do ano amanheceu pesado, e eu já sabia que seria um desafio. Levantei cansada, meu corpo doía como se carregasse o peso das semanas anteriores. Tomei uma dose alta de Ritalina, quase 10 comprimidos ao longo do dia, tentando encontrar alguma energia para seguir.

A rotina me parecia uma maratona, mesmo nas tarefas mais simples. Percebo que a depressão está diminuindo – eu choro menos, meu humor se estabiliza. Mas, ainda assim, a sensação de cansaço físico e mental permanece.

Sinto um bloqueio estranho com o celular. O WhatsApp, que antes era uma ferramenta de conexão, agora me parece um inimigo silencioso. As notificações acumuladas me dão um frio na barriga. Eu olho as mensagens e simplesmente não consigo responder. Fico paralisada. O mesmo acontece no Instagram – vejo as mensagens, mas não tenho forças para interagir.

Parece que o mundo digital exige de mim algo que, no momento, eu não consigo oferecer: energia emocional.

No meio disso tudo, há um pequeno alívio. Sinto que a sombra da depressão começa a se afastar. Eu percebo isso nos pequenos sinais: o choro fácil diminuiu, e há momentos em que sorrio sem esforço. Mas ainda há um longo caminho para percorrer.

E talvez, nessa jornada, eu precise aprender a fazer as pazes com o silêncio e comigo mesma.

1 de janeiro de 2015 - O Encontro com Tereza

Capítulo: O Encontro com Tereza

O ano começou pesado. O sol do primeiro dia de janeiro insistiu em brilhar, mas dentro de mim tudo parecia nublado. Acordei tarde, exausta de uma noite anterior regada a lágrimas que nem o conforto de meu amigo Lop conseguiu secar. Tomei Ritalina, esperando que ela trouxesse alguma fagulha de energia. Nada.

Eu queria dançar a tristeza para fora. Coloquei reggae, samba e forró das antigas, movendo o corpo sozinha pela casa. Aquela dança improvisada me trouxe um breve alívio. Depois, peguei o carro e dirigi sem rumo. O volante nas mãos me trouxe um pouco de controle em meio ao caos interno.

Acabamos indo à praia. Eu não queria, mas fui. O mar tem seus mistérios, e naquela tarde ele parecia me chamar. Conhecemos uma mulher chamada Tereza, que nos convidou para sua casa. Havia algo estranho nela, uma inquietação que eu não conseguia nomear. Ela disse que tinha maconha. Ingênuos e embriagados, aceitamos o convite.

A casa dela era uma mistura de contraditórios. Um enorme quadro de Jesus Cristo pendia na sala, mas a energia era opressiva. Tereza olhou diretamente nos meus olhos e, com um tom enigmático, perguntou:
— Você sabe quem eu sou?

Algo naquela cena me arrepiou por completo. Ela parecia tomada por algo, uma força sombria que me fez estremecer. Pedi licença, chamei meu amigo e corremos para fora. Desci as escadas como se estivesse fugindo do próprio diabo. Meu coração acelerava, meus pensamentos se confundiam. Por um instante, achei que estava perdendo a sanidade.

Naquela noite, deitei tarde. Tomei meu valproato de sódio e carbolitium, mas abri mão, mais uma vez, da naltrexona. Dormi mal, e às 5h30 do dia seguinte, arrastei-me para o trabalho. O corpo cansado, a mente inquieta. Janeiro havia começado, e eu estava lutando para não afundar.